Efeitos Biológicos

 

Thomas Alva Edison, que além de profícuo inventor (foi o criador da lâmpada elétrica) era também empresário, desenvolveu o fluoroscópio, o aparelho que permite obter imagens de raios X sobre uma tela fluorescente, ao invés de uma chapa fotográfica. Em 25 de março de 1896, Edison obteria a licença para a produção comercial do aparelho e pouco tempo depois um "Thomas A. Edison X-ray kit" estava a venda no mercado. Em maio do mesmo ano ele exibiu o aparelho em uma exposição promovida pela "Electric Light Association" em Nova Iorque e posteriormente no resto do país; durante a exibição o público podia expor partes de seus corpos a radiação, e vê-los projetados na tela fluorescente. Nestes primeiros dias não eram conhecidos os danos que a exposição aos raios X, sem controle, poderia trazer para a saúde. Logo porém, se descobriria que a nova radiação não deveria ser tratada como algo inofensivo.

Os raios X passaram a ser utilizadas não apenas com finalidades de diagnóstico, uma prática que viria a se tornar corriqueira em medicina e odontologia, mas também de terapia. Sessões de raios X eram recomendadas para cancerosos, tuberculosos e pacientes com inflamações dolorosas. Em alguns casos, a prescrição parecia funcionar, ainda que ninguém soubesse como; em outras situações o "remédio" teve efeitos piores que a doença.

Em dezembro de 1896 o médico vienense Leopold Freund, pioneiro no uso sistemático de raios X para tratamentos, submeteu sua primeira paciente, uma menina de 5 anos, a duas horas diárias de exposição durante 16 dias, para a remoção de uma verruga com pelos de suas costas. Após 12 dias os pelos começaram a cair e toda a região ficou intensamente inflamada, levando um longo tempo para voltar ao normal. Após esta experiência o médico passou a limitar suas sessões a 10 minutos de exposição, comentando secamente que "o acidente estava pleno de ensinamentos".

Um dos primeiros casos registrados de danos físicos causados por raios X ocorreu com Clarence Dally, que era assistente de Edison. O inventor dedicava-se ao desenvolvimento de uma lâmpada que funcionaria por meio da produção de raios X dentro de um tubo de vidro recoberto por material luminiscente, que passaria a brilhar quando atingido pela radiação. Clarence Dally, que fazia parte de um grupo de sopradores de vidro, já havia auxiliado na produção do fluoroscópio e trabalhava no novo projeto. Segundo Edison:

"Eu comecei a fazer um número destas lâmpadas mas logo percebi que os raios X afetaram venenosamente o meu assistente, Mr. Dally, de tal forma que seu cabelo caiu e sua carne começou a ulcerar. Conclui então que não daria certo, e que este tipo de luz não seria muito popular, de modo que parei."

Apesar disso Dally continuou a trabalhar com raios X até 1898. As ulcerações transformaram-se em câncer, e ele veio a falecer em 1904 com 39 anos de idade, tendo antes submetido-se a várias cirurgias, incluindo amputações dos membros superiores.

Nos primórdios de sua utilização, os efeitos nocivos que são naturais às radiações ionizantes, foram multiplicados pela precariedade dos aparelhos, pela falta de proteção adequada e pelo total desconhecimento das doses que estavam sendo ministradas e dos seus efeitos. Uma coisa era conhecer a tecnologia da confecção de tubos de vácuo para a produção e investigação de raios X em laboratórios de pesquisas físicas, atividade que já apresenta riscos, outra era a sua utilização desta tecnologia para a exposição deliberada de seres humanos à radiação. Além dos pacientes, radiologistas e fabricantes de aparelhos, também sofriam exposições exageradas e danosas.

Ao final de 1896, 23 casos de danos severos causados por raios X haviam sido registrados em revistas científicas. Mesmo assim, o entusiasmo pela nova tecnologia fez com que muitos atribuissem os danos a outras causas (eletricidade, ozônio, equipamento defeituoso) que não aos próprios raios X. Um físico americano, Elihu Thompson, propôs-se a investigar o assunto, tomando a sí mesmo como cobaia. Tendo colocado a extremidade do dedo mindinho esquerdo a uma distância de aproximadamente 4 cm de um tubo de raios X por meia hora, não observou efeitos imediatos. Uma semana mais tarde, entretanto, o dedo tornou-se avermelhado, extremeamente sensível, inchado, rígido e dolorido, tendo Thompson concluído que "Evidentemente existe um ponto além do qual a exposição não pode continuar sem causar sérios problemas". Passadas mais algumas semanas, em carta a um colega, ele descreve um agravamento em sua condição:

"Eu não proponho repetir o experimento...toda a epiderme se desprendeu da parte posterior e das laterais do dedo, enquanto o tecido, mesmo debaixo da unha, encontra-se embranquecido e provavelmente morto, pronto para cair...O ferimento é muito peculiar e eu nunca vi algo parecido. Ele continuou a se desenvolver e espalhar sobre a superfície exposta por três semanas e não tenho certeza de que a doença atingiu seu limite."

A ampla divulgação do experimento de Thompson levou muitos radiologistas a se preocuparem de forma mais efetiva com a proteção, tanto de si próprios como de seus pacientes, e as primeiras medidas neste sentido passaram a ser tomadas, tais como a utilização de escudos de chumbo e o uso de filtros e diagramas para limitar a intensidade e a área atingida pelo feixe.

Conhecido o início da aplicação dos raios X na medicina, apresentamos agora duas das questões que mais preocupam, hoje, as pessoas em relação ao emprego dos raios X no tratamento de sua saúde, para, a partir delas discutirmos os riscos e benefícios desse tratamento.

Se uma mulher for submetida a um tratamento com irradiação sem saber que estava grávida, este fato poderá trazer algum comprometimento para o filho que ela está esperando?

A avaliação dos efeitos das radiações sobre um sistema vivo deve ser conduzida com muito cuidado, uma vez que diversos fatores devem ser considerados e a complexidade do organismo irradiado, notadamente do Homem, dificulta, em muitas ocasiões uma relação direta entre causa e efeito.

Quando um ser vivo é submetido a doses de radiação poderão surgir conseqüências indesejáveis que podem ser classificadas de modos variados: (i) somático ou genético, se houve ou não comprometimento do patrimônio genético do indivíduo; (ii) imediato ou tardio, se aparecerem logo após a irradiação ou mais demoradamente, sendo considerado o período de 60 dias para a manifestação dos sinais e sintomas, como o tempo para diferenciá-los ou (iii) localizado ou de corpo inteiro, em decorrência da extensão do corpo comprometida.

A avaliação da relação entre um determinado efeito com a dose de radiação para o ser humano é muito difícil de ser feita. Obviamente não podemos submeter o Homem a um experimento para estudar os efeitos das radiações. Por este motivo, o que sabemos é decorrente do estudo exaustivo de grupos humanos que foram expostos a doses relativamente elevadas de radiação e também de extrapolações de resultados experimentais realizados com animais de laboratório. É evidente que várias "coincidências" históricas também têm sido consideradas, como o fato do aparecimento de radiodermite nas mãos de um técnico que operava ampolas de produção de raios X e em outro que testava o funcionamento destas ampolas expondo suas próprias mãos.

Em 1902 foi observado o primeiro caso de câncer radioinduzido na pele de um fabricante de tubos de raios X. Nos anos seguintes muitas descrições semelhantes foram relatadas na literatura médica, de modo que, em 1922, cerca de 100 médicos radiologistas eram considerados falecidos em conseqüência de ficarem expostos a elevadas de doses de radiação.

De uma maneira específica, quando consideramos o possível efeito de uma irradiação de um indivíduo, ainda no útero materno, os efeitos somáticos devem ser considerados devido a potencialidade teratogênica das radiações. No desenvolvimento do Homem, assim como dos outros mamíferos, o organismo forma-se a partir da fecundação do óvulo pelo espermatozóide que acarreta a formação de uma célula - ovo que, após sofrer clivagem, fixa-se à parede uterina, o que constitui a fase de implantação ou nidação. Depois do aparecimento da placenta, ocorre intensa divisão celular, diferenciação e organogênese, etapas que caracterizam o período embrionário, cujo término marca o início do período fetal, que se estende até o nascimento.

As informações obtidas a partir das observações dos efeitos da radiação nos diversos grupos de humanos que têm sido expostos, assim como da extrapolação de resultados experimentais com animais tem permitido sugerir que irradiações realizadas (i) antes da fase de implantação ou nidação acarretam, em geral, morte pré-natal; (ii) no período de organogênese tem grandes probabilidades de gerar malformações, cujas características são bastante variáveis, mas guardam, em geral, algum tipo de correlação com o órgão que esteja sendo formado no momento da irradiação, assim em camundongos, por exemplo, a exposição no nono dia após a fecundação (no Homem, aproximadamente vigésimo quinto dia) costuma produzir defeitos nas orelhas ou no nariz, enquanto as realizadas no décimo primeiro dia (no Homem, aproximadamente trigésimo segundo dia) conduzem, preferencialmente à microcefalia; (iii) também no período de organogênese têm importantes probabilidades de provocar o aparecimento de natimortos, uma vez que diversas mal- formações são incompatíveis com a viabilidade do concepto e (iv) no período fetal, praticamente não mais provoca malformações ou morte, embora possa ter outras conseqüências, tais como redução de peso e retardo mental. Na espécie humana, algumas informações sobre a incidência de malformações radioinduzidas foram obtidas mediante o estudo de mulheres grávidas submetidas à TERAPÊUTICA ANTINEOPLÁSTICA ou a procedimentos de diagnósticos com radiações, assim como pela análise de sobreviventes de Hiroshima e Nagasaki. Nestes casos, a incidência de microcefalia e de retardamento mental foi significativamente elevada.

Um homem poderá ficar impotente devido a ter sido submetido a um tratamento com grandes doses de radiação?

Embora as alterações estruturais e funcionais dos tecidos irradiados variem acentuadamente com a sua natureza, alguns aspectos gerais podem ser apontados, tais como a inibição de mitoses e o aparecimento de aberrações cromossômicas. Processos hemorrágicos e edemaciação, relativamente freqüentes, traduzem modificações no sistema vascular ou na permeabilidade, enquanto a remoção dos restos celulares é explicada pela intensa fagocitose local.

Efeitos localizados podem ocorrer quando somente um determinado segmento anatômico é exposto às radiações, como em certos tipos de acidentes ou em pacientes submetidos à radioterapia. No caso da irradiação de corpo inteiro, podem ser observados, nos diferentes órgãos e aparelhos, efeitos semelhantes.

Os efeitos localizados podem ser (i) na pele, como eritema, epilação (alopecia), flictemas, necrose do epitélio, acompanhada ou não de ulceração; (ii) no aparelho cardiovascular, como pericardite fibrosa, fibrose difusa do miocárdio, aumento da permeabilidade vascular e desenvolvimento de processos trombóticos; (iii) nos pulmões produz edemaciação intersticial e intra-alveolar, com posterior hialinização e fibrose, que podem acarretar diminuição da capacidade ventilatória; (iv) no aparelho gastrintestinal, além das lesões nas VILOSIDADES intestinais, são freqüentes danos nos epitélios da boca e nas partes superiores do tubo digestivo com eventuais ulcerações e estenoses; (v) no rim, que é relativamente radiossensível, leva ao desenvolvimento de nefroesclerose; (vi) na bexiga surgem ulcerações e eventuais infecções por causa de lesões na mucosa de revestimento; (vii) no sistema nervoso central, o aparecimento de lesões das células gliais e alterações da permeabilidade e da circulação somente aparecem após doses elevadas de radiação, apesar de que doses menores provocam alterações funcionais observáveis no eletroencefalograma e (viii) no globo ocular, opacificação do cristalino, ou seja a formação de cataratas podem aparecer alguns meses ou até vários anos após a exposição.

As gônadas, em particular, são bastante radiossensíveis e, assim, a esterilidade temporária ou definitiva pode ser provocada pela radiação. Nos testículos, as espermatogônias são mais sensíveis do que os espermatócitos e as espermátides. Entretanto, a impotência não tem sido relacionada como um efeito da radiação.

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