MODELO PADRÃO

    Existem dois tipos de teorias usadas para descrever as leis físicas de nosso Universo – as teorias “construídas” e as teorias “descobertas”. Uma teoria “construída” é como um prédio que começa com uma base sólida e onde são colocadas as paredes e janelas, em posições que dependem da função do prédio. Se houver desejo de mudá-las posteriormente, há possibilidade de trocar as paredes e janelas sem alterar a estabilidade do edifício. Da mesma forma, uma teoria “construída” pode ser mudada para concordar com novos dados experimentais, supondo que esses dados não discordem da “base” da teoria. Outra possibilidade é a teoria “descoberta”, comparável a um tesouro enterrado. O tesouro é achado por acaso quando alguém percebe, por acaso, algumas moedas no chão e, depois de escavar por algum tempo, descobre a magnitude do tesouro. Ao contrário da teoria “construída”, a teoria “descoberta” dificilmente é modificada, pois não se pode avaliar o tesouro antes de encontrá-lo.
   Um bom exemplo de teoria “construída” é o Modelo Padrão das interações fundamentais, que descreve três das quatro forças conhecidas, ou seja, a força eletromagnética, a força fraca (responsável pela radioatividade) e a força forte (responsável pela estabilidade do próton), mas não descreve a quarta força, a gravitacional. As outras duas forças descritas, a fraca e a forte, usam generalização dos conceitos presentes na teoria quântica do eletromagnetismo. A “base” do Modelo Padrão é a teoria quântica da força eletromagnética, por já ter sido testada e verificada com a precisão de uma parte em um bilhão, pode ser considerada uma base extremamente sólida.         Embora alguns aspectos do Modelo padrão (ex.: bóson de Higgs) ainda não tenham sido verificados experimentalmente, a maioria dos físicos acredita que a estrutura básica do Modelo Padrão descreve corretamente a física subatômica. Posteriormente, se surgirem discrepâncias entre o esse modelo e as experiências (ex.: neutrinos supermassivos), será possível fazer modificações nas paredes e janelas sem demolir o edifício inteiro.
   
   Séculos depois de iniciarmos a busca pelos constituintes fundamentais que constróem a beleza e complexidade do mundo cotidiano, chegamos a uma resposta surpreendentemente simples: são necessárias somente seis partículas: o elétron, o quark up, o quark down, o glúon, o fóton e o bóson de Higgs. Onze outras partículas são suficientes para descrever todos os fenômenos estudados pela física de partículas. Outras onze completam a lista, servindo para descrever todos os fenômenos estudados pela Física de Partículas.
   O Modelo padrão foi formulado nos anos 70 e estabelecido empiricamente no início dos anos 80. Quase três décadas de experimentos precisos testaram e verificaram a teoria nos seus menores detalhes, confirmando todas suas previsões. Se por um lado o sucesso é compensador, por demonstrar ter sido atingido um patamar de conhecimento nunca antes alcançado, por outro é frustrante, pois antes do Modelo Padrão os físicos estavam habituados a experimentos que produziam partículas inesperadas ou evidencias de uma nova teoria antes que a poeira do giz da anterior baixasse. Foram necessários 30 anos para que isso acontecesse com o Modelo Padrão.
   Essa espera pode estar chegando ao fim. Experimentos que envolvem colisões com altas energias já estão ocorrendo no Fermi National Accelerator Laboratory, em Batavia, Illinois, EUA. Esse acelerador deverá produzir as partículas elusivas que completam o Modelo Padrão (bóson de Higgs) e talvez possam comprovar a teoria do
Modelo Padrão de Mínima Supersimetria. Essa teoria é mais amplamente favorecida como substituta do Modelo Padrão. Nesse modelo, todos os tipos de partículas conhecidas possuem uma supercompanheira, relacionada a elas pela supersimetria. As partículas de distribuem em duas grandes classes: os bósons (como as partículas de força), que podem se reunir num único estado e os férmions (como os quarks e os léptons), que impedem a ocorrência de estados idênticos. A supercompanheira de um férmion é sempre um bóson e vice-versa.
   Surgem evidências indiretas da supersimetria quando se faz a extrapolação das interações para altas energias. No Modelo Padrão, as três forças tornam-se semelhantes, mas não com a mesma intensidade. A existência das supercompanheiras altera a extrapolação de tal forma que todas as forças têm valores coincidentes em uma energia – um indício de que elas de tornam unificadas se a supersimetria for verdadeira.



Um novo modelo?

   Estão em andamento experimentos para detectar partículas misteriosas que formam a matéria escura e fria do Universo e para examinar os prótons com maior sensibilidade para saber como eles decaem, bem como a busca de evidências da supersimetria. O sucesso de qualquer um dos projetos poderá ser um marco na física pós-Modelo Padrão. Ao mesmo tempo em que toda essa pesquisa avança começa uma nova era na física de partículas. Por volta de 2007, o Large Hadron Collider (LHC), uma máquina de 27 Km de circunferência em construção no CERN, estará juntando esforços nessa batalha, que conta com participação brasileira. Um acelerador linear elétron-pósitron de 30 Km de comprimento, para complementar os resultados do LHC, está sendo projetado.

   As simetrias têm desempenhado um papel fundamental na Física. À cada simetria corresponde uma grandeza conservada, e a busca de leis de conservação e de grandezas conservadas, tem sido, a partir da síntese da primeira grande contradição de filosofia, qual seja, a contradição entre o Uno imóvel de Parmenides e o universo multifacetado e em constante mutação de Heráclito, o fio condutor da elaboração da filosofia natural (a Física) no ocidente. A supersimetria é uma simetria muito especial entre as partículas que obedecem (no universo conceitual da Mecânica Quântica) à estatística de Fermi-Dirac, os fermions, e partículas que obedecem à estatística de Bose-Einstein, os bosons. Supõe-se que a cada partícula fermiônica do Modelo Padrão, como elétron, muon, tau, etc, corresponde um parceiro bosônico com características físicas análogas mas com spin inteiro: selétron, o smuon, o stau. Da mesma forma à cada bóson do Modelo Padrão, como o fóton e os bósons Z e W, corresponde um parceiro de spin fracionário: o fotino, o zino e o wino. Idéias como esta tem sido valiosa em vários contextos da Física - o estabelecimento de uma teoria quântica de gravitação (supergravidade), a formulação da Física de Higgs, a explicação da matéria escura do Universo, e a teoria de cordas (supercordas).



Um edifício permanente

   Será que o Modelo Padrão será quebrado???  Vale lembrar um exemplo clássico: as equações de Maxwell, que inclusive fazem parte do conjunto de equação do Modelo Padrão. Não é possível, mesmo depois de todos os avanços tecnológicos e da física quântica, afirmar que estão as equações estão erradas, mas sim que foram ampliadas para suportar novos efeitos observados. O Modelo Padrão foi bem testado:

Previu a existência dos bósons W e Z, dos glúons e de dois dos quarks mais pesados (charm e botton). Todas foram detectadas com as propriedades previstas.


- Angulo de mistura eletrofraca: esse ângulo deve ter o mesmo valor em todos os processos eletrofracos. Isso foi observado, com precisão de 1%.


- Large electron-Positron (LEP), do CEN, observou, durante dois anos, 20 milhões de bósons Z, que decaiam da forma prevista no MP.


   Sobre o poder de previsão do Modelo Padrão, há críticos que dizem ser ele limitado, ou que seu conteúdo é arbitrário ou ainda que ajustando um parâmetro ele explicaria qualquer coisa. O que acontece na realidade é o oposto: uma vez medidas as massas e intensidades das interações, elas são mantidas fixas em toda a teoria e em qualquer outro experimento, sem nenhuma liberdade. Outro detalhe é que a parte matemática foi determinada teoricamente. Todos os parâmetros foram medidos, menos a massa do bóson de Higgs.  Assim, se a extensão mais aceitável atualmente, a MSSM – Minimal Supersymetric Standard Model, for incrementada, o Modelo Padrão poderá ganhar mais liberdade.




Dez Mistérios

   Se o Modelo Padrão é tão bom e funciona tão bem, por que precisa ser estendido???? Uma das razões principais é a incessante busca pela unificação das forças, que move a pesquisa. Outro motivo é entender o nascimento do Universo (Big Bang) e as forças que existiram naquele instante. Outras razões para estender o Modelo Padrão surgem dos fenômenos que a teoria não é capaz de explicar, ou em alguns casos, não é capaz sequer de acomodar.

1. Constante cosmológica – o Modelo Padrão não ajuda a entender esse quebra-cabeça, pois as teorias atuais indicam que deveria haver enorme concentração de energia mesmo em áreas vazias do espaço.

2. Acreditava-se que o Universo deveria ir diminuindo sua expansão devido às forças gravitacionais mútuas entre suas partículas. Porém, hoje sabemos que o Universo acelera sua expansão. A “energia escura” que causa a expansão não pode ser explicada pelo Modelo Padrão.

3. Inflação (logo após o Big Bang) não pode ser explicada pelos mesmos campos do Modelo Padrão.

4. Se o Universo começou com o Big Bang, deveria ter evoluído de forma a conter a mesma quantidade de matéria e antimatéria. A disparidade observada entre matéria e antimatéria (simetria CP – carga-paridade), não pode ser explicada pelo Modelo Padrão.

5. Um quarto do Universo é matéria escura, que não pode ser formada por partículas do Modelo Padrão.

6. A massa das partículas... As interações dos campos de Higgs (bóson de Higgs) fazem com que as partículas tenham massa. O Modelo Padrão ainda não consegue explicar as formar particulares das interações do bóson de Higgs.

7. As massas das partículas deveriam ser enormes, segundo as correções quânticas que aparentemente tornam o bóson de Higgs com massa muito grande. Há aqui um sério problema conceitual.

8. O Modelo Padrão não inclui a gravidade.

9. As massas de elétrons, neutrinos, quarks e léptons não podem ser explicadas pelo Modelo Padrão. Talvez resolvendo a questão 7 isso seja possível.

10. O Modelo Padrão descreve 3 gerações de partículas, sendo que o mundo cotidiano é explicado pela primeira geração. O MP não explica por que existe mais de uma geração.


A busca continua...  A teoria unificadora ainda não chegou...



Texto baseado em:

Revista Scientific American – Ano 2 – número 14 - Edição de julho de 2003 – pgs. 76-83 – Ediouro, Segmento-Duetto Editorial
Revista Scientific American – Ano 2 – número 20 - Edição de janeiro de 2004 – pgs. 48-51  – Ediouro, Segmento-Duetto Editorial
Pôster “Fundamentals Particles and Interactions” – de http://cpepweb.org
Revista Física na Escola – v. 2 – número 1, 2001 - Sociedade Brasileira de Física

http://www.fisica.ufs.br/ensef/p3.htm